12.25.2010

natal

o natal chegou aí. pé ante pé. olhos de menino.

cheiros

cheira a rosmaninho. ou a confeitos. talvez a um sabonete novo. ou só à saudade que traz esse cheiro todo.

Tempestade

o vento vem desgrenhado
em gráficos de tempestade
as ondas galgam em puro-sangue
os obstáculos da praia, rindo-se
em espuma a desdentar.
sento-me à beira, e deixo-me ficar:
um olhar parado
sem idade
estanque
indo-se
estatelar
no horizonte negro,
e nem tenho medo.
oiço, do fundo,
o som de revolta das sereias
e o olhar
profundo
divide a meias
o que resta do frio.
o desfio
é outro, mais humano,
d'aguentar a dor do lenho.
sem pena
largo o poema
e atiro-me ao mar.
há sempre outro modo de cantar
o infinito.
grito
que estou liberto,
mas o mais certo
é fugir.
hei de vir
um dia no fim do tempo
e engolir o vento.

Natal/2010

12.16.2010

epitáfio a um marinheiro desconhecido

as pétalas choraram o resto do teu corpo
que o mar chamou, evaporado ao céu
as árvores do outono deixam cobreados os rios
distribuindo lágrimas desafiando a chuva
que se comprime em desespero nas nuvens

quando chegares ao céu, daqui a nada
os leitos vão regressar ao mar
as pétalas vão refazer as rosas
e os bibes voltam a vestir o sorriso dos miúdos

no entretanto há só o cantar da tempestade
dois mendigos em greve, três olhares perdidos
e o mundo estacado no tempo morto
domingo de luz, norte e leste, oeste
e o sul que sempre chama os desejados

26.10.2010

Caminhada

A noite nascia com os mesmos direitos
com que o dia se afirma a toda a hora
e eles seguiam, percorrendo o caminho
onde o escuro brinca aos fantasmas
gozando diabruras com as estrelas.
Cada passo deixava o som das pedras
como se arrancassem pétalas de rosa
em rogo de não picarem espinhos
e a batida dos corações era só
o ritmo com que sonhavam a chegada.
Foi um caminho que ainda hoje é,
vontade d'andar sem destino ou mote
energia gasta no gosto da vontade
única potência com que o homem
troca o risco de vacilar algures
pelo encanto da firmeza, alguma.

19.10.2010

dias antigos

joguei contigo aos beijos d'universo
- os que se entregam até à eternidade
e depois deixam-se cair ao som
dos prediletos
(o que só esquecemos se nos lembrarmos da memória)

na escola aprendi
que anos luz eram
um qualquer desgosto
de apartar as horas do recreio;
e que o deus das nuvens
sorria em gotas de chuva
sempre que o calor das searas
pingava no rosto dos meninos

heide crescer um dia, se for
ainda a tempo de me lembrar
dos dias que nunca passam

(18.10.2010)

11.16.2010

verso riscado


antes deste estava escrito outro verso
onde lacrara as memórias de menino
(os restos dum hino, um gasto terço
um coração sem preço...) - que desatino

risquei-o como quem sopra o pó
na crença d'agora ser já forte
como se fora possível ser mundo e não só
como se a idade aceitasse a sorte

e a vida - afinal - é apenas a ilusão
de ter os pés na terra, e o coração
quimera que finge sonhar um outro dia
a rimar o amar com àlegria

a última...

a última palavra é sempre um gesto
de silêncio roído até à partida
como um desejo que se não faz objecto
ou uma mãe que não consegue a despedida

é o sufoco do infinito
que nos imobiliza no grama
dos grãos d'areia onde diluímos as mãos.

12112010

10.18.2010

caminho de busca

onde as esferas aparam os astros
e estes encantam as bibliotecas
lá onde os sonhos são cristais de luz
e o tempo apenas o gozo dos momentos;
ainda hei de percorrer esses caminhos
feitos de negro e preto, aí onde
os pés deixam relâmpagos n'areia do céu
e o sorriso dos dentes parece satélites
dos corpos maiores, celestes ou não,
percorrendo em danças de espuma
todo o mar astral das profundezas
até chegar aos teus cabelos, como
os miúdos brincam em tarefas de sísifo
e alcançam sempre o sol, aí
no amarelo das searas ondulantes.

(18.10.2010)

8.18.2010

repouso dos perigos e das obras
verão, está bem de ver, que o verão seca as ideias e só se espera pelo correr das tardes. nunca por qualquer rasgo, sequer luminoso como o sol que se arma em astro.

8.17.2010




Vinham magotes de bronzes
a subir os degraus de um fim de praia.
A hora era só a de esperar a manhã seguinte
até que o agosto morra sufocado
nas promessas do ano seguinte.

8.02.2010




7.30.2010

hino de verão

deixa-me explicar-te que o hino
são folhas de plátano no vento
sinos de silêncio pel' aldeias
e uma velha de rugas a ajeitar o lenço
debaixo da rodilha onde repousa
o cântaro de água fresca.

7.19.2010

e agora, que agonizo os dias
na tua saudade
só mesmo por ela
que me lembra o esquecimento.
penhoro-me a promessas
do teu regresso,
invento modos de ter ver
nas formas da escuridão
e angustio os segundos
com que o tempo
se fractura e dilacera
entre os momentos.
(19.07.2010)
e agora, que o sonho se deslumbra
na terra fria, lá onde os pássaros
repousam gravilhas de pasmo
e eu respondo que entendo o mundo
entre o perplexo dum olhar d'areia
e o mar azul, azul de azul e cor
onde repouso os ombros de cansaço
futuro. onde, cada vez onde
intrigo o espaço que
amanhã traz bagatelas de dúvida
e respiração de sossego: canto
outra vez as promessas antigas
Julho e Agosto, mar e lábios
ternuras de provir.
(18.07.2010)

7.01.2010

PAI NOSSO

luz nossa, que roubas da noite
partindo do céu que resplandesces
nome de palavra muda de tempo
temores e vagas onde o escuro cresce
vontade seja a nossa por ser vossa
reino onde o passado não chegou
mão de seara racham o pão
e nas ofensas perdão d'este regresso
irmãos na dádiva dum olhar puro
caídos para mais alto erguer
no futuro agora e antes

(3.06.2010)
AINDA CHEIRAS A NOITE
NA MANHÃ TÃO CLARA
E NAS RANHURAS DO TEU CABELO
A LUZ ENVERGONHA-SE DAS SOMBRAS

(8.06.2010)

6.11.2010

Ao som de vuvuzelas tontas, joga-se. Afinal, tudo se
pode jogar, salvo o que for expressamente proibido.

6.05.2010

opções

entre as estrelas que pintavam o céu de luz escolhia uma, sempre ao acaso. a que lhe parecia mais sonolenta, embriagada de tempo e infinito. queria ser assim, lento como a espera.

crescimento

há trinta anos que lhe contavam apenas as boas memórias, as das serras pintadas de verde, dos céus azuis, das faces de talco onde as mãos das crianças simulam os beijos. e agora, sempre que a noite chegava na solidão dos desaparecidos, duvidava da idade e entretinha-se a partir espelhos.

dúvida

viveu o dia inteiro cheio de certezas e afirmou que sim às nuvens, aos pássaros e aos homens que lhe cruzaram os caminhos. quando regressou o escuro, a fadiga pesava-lhe pela alma fora e o corpo estava derreado de peso. temeu deitar-se, sem o risco de a manhã não vir depressa.

pássaros

chegam aos bandos. vêm curtir uma tarde de nuvens, onde o sol brinca às escondidas dos garotos e a luz saltita nos muros dos quintais. são pássaros, que os humanos estão escondidos entre as marmitas de tarte de cereja e um ecrã gigante de televisão.

5.31.2010

devagar se canta nas manhãs turvas

não cantes tão depressa
os acórdes onde o vento
nos enrola as tardes,
que a mansidão é ingrata
mas perene
e só as nuvens se revoltam
com as boleias do sopro

mudam a forma,
riem e choram...
e tu querias
que os dias
(cacófonias...)
tivessem um som quebrado
de silêncios nunca satisfeitos

a melancolia é tão risonha
como a aurora das manhãs turvas,
aurora é,
azul, cinzenta
como que seja
afirma-se no lia longo
como premonição.

(28.052010)

Q(ei!)ma 2000 e 10


falsidades

agora que caiu a neve no calor da noite
deixo que os olhos fechem o som do tempo
e revolto-me com a escuta dos silêncios,
à procura de palavras mortas, de sílabas esconsas
que livrem o medo do seu fim

porque só a desmesura liberta, esse
arrepio de laços que faz da incongruência
um beijo sem lábios, um abraço sem braços,
a inocente verdade de tudo ser falso.

(24.05.2010)

tamanho e infinito

um fio de deus atravessa o som
onde se penduram as promessas
e viram respiração
os actos antes sidos
desejos e esperanças sem espaço.

cada segundo tem agora
o tamanho preciso que percorreu o nada
e o infinito
sem voltar as costas,
sem sentir pena
do tempo futuro, ficado por ocupar.

pé ante braço, coração aberto
peito inteiro sem gestos,
em cada gesto
sombras de um sol por inventar
incêndio copioso
num grito surdo
dum imortal presente.

(25.05.2010)

5.24.2010

VENTO

Agora é vento o meu nome
e não me perguntes nos lugares antigos.
Fui, vestido de tempestade,
para longe do mar,
deixei os seixos arremessados às ondas,
os gritos das gaivotas, a irritação
do sol debruando a areia. Procura-me
no assobio dos moinhos, nas mãos do pão,
no silêncio com que as aves
se despedem do dia.

3.20.2010

se o regresso...

o que separa a última vez da primeira
é o regresso,
não mais que o risco da semelhança;
a espera da confirmação
nem define o acto. e
o futuro não vale, por enquanto.
olhamos os olhos alheios
cuidando adivinhar a impossibilidade
de trocar a alma
- como quem diz -
de sentir pelo outro.
se o mundo é um traço contínuo
a segurar os desejos
(como as molas na corda da roupa)
é uma hipótese por experimentar.
voltamos a ficar sós,
mundo inteiro.
25.11.2009.

2.27.2010

antes do silêncio

vinco, no resguardado resguardo do teu segredo, as palavras imortais que sempre anteciparam o silêncio. e, sozinhas, inventaram benefícios à mudez.

elegia

todo o poema, como todos os sonhos, são uma elegia. como se vem a confirmar a cada momento: perde-se, só por instantes, a noção do presente. mas, sabemos todos, que o futuro nunca existiu.

perdido

acho quer perdi o teu poema no lixo do sexto piso, quando troquei os papéis de rascunho pela versão ficheiro. começava assim "o meu coração é um barco".

2.18.2010

Confesso...

Confesso que quando escrevi
o primeiro poema, copiei
os teus olhos. Senti
qu' escrevia o que não sei.

A ruga que ficou com m
(de amor) foi descuido só meu
como o homem do leme,
a trocar o monstro pel'o céu.

(27.04.09)
desvendo o repouso
na magnitude
de uma apropriação nova:
a palavra foi descoberta

e o dia já não cai
a noite não vence
o tempo parou,
parou.

(20.05.09)

Como?


Como havemos de tocar
tão levemente
a mão que teve o propósito
e ateou o fogo:
cândida aurora do provir inacessível.

Penumbra

há sempre uma penumbra de egoísmo
que nos barreira de "deus"; por mais
que o construamos mais próximo.

esse sino tão terreno
que nos repica os caminhos
distraídos do enlevo.

esse tambor que nos chama
aos comprometimentos do mundo.

perdemos (?) o amor no sexo
e este na ofensa
e esta no crime.

de degrau em degrau
baixamos...

como se o eterno fosse estar
aterrados, enterrados, distantes
do ser que nos é próprio.

(8.05.2009)

quem dera...

quem dera ter um nome a dar-te
um fruto que te colhesse,
perdendo sabor o tempo infindo,
sem desgosto d'época.

quem dera pintar as papoilas
da cor do arco-íris.

(8.05.2009)

1.31.2010

espreitada

a lua deixa-se encher de brios e responde com luz alheia. agora que é noite e se aproveita do escuro com que se deixa espreitar.

1.06.2010

à tua espera

disseste que passavas mais logo. a recolher
o olhar que não consegui devolver-te. e
assim foste cega, e eu a ver-te apenas
os lábios e as mãos
por onde começaste a enfeitar-me o peito. a
tua língua não é português,
mas húmida carne
que agora
me fere a intimidade com paciência.
até que descubro, só tu vês um gesto
que tinha guardado - por perdido-
desde os anos do arco-íris. abraço-te
já a saber que o escuro é luminoso
e me vou perder
no corpo inteiro onde castigo o choro. deixo
perdido um dedo caído
que piamente te plastifica o seio
e nada mais roubo ao reverso da palavra,
já só és tu o som do mundo. mudo
num terno solfejo de pele.
1.

antes de nasceres eram
de pedra as tuas lágrimas,
o teu peito tinha pétalas e raízes
e os teus dedos prolongavam
os braços do rio.
então,
o teu coração
era um vulcão
que dava seiva ao tempo.
depois de nasceres
transitado em vida
voltarás a renovar um olhar
antes que as tuas lágrimas sejam pedra
e as raízes
e as pétalas
encham o teu peito
enquanto os braços do rio
são o prolongamento dos teus dedos.

(eternidade)

2.
Não sei se chora
aquele pastor de reflexos
agora que vejo a noite
chegar-se com a pressa dos ventos.

Recolhe as sobras de um dia de luz
cajado ao socorro do mar
entre a prata e o negro que a engole.

São nossas as areias do Índico
e a gasosa regressa à Matola,
que amanhã é domingo
e expulsarás cedo os demónios da noite.

O dia despede-se sem as cortesias do Norte
que quer vir depressa renovar a tenda
e as mulheres têm os olhos muito negros
debruados de muita espuma, muito branca.

(lembrança de Maputo)

1.04.2010

Pergunto-me

O som das gaivotas lembra o grito e o choro
e, olhando o azul onde enfeitam o espaço,
pergunto-me porque não aprenderam a rir.

Há um menino na borda da maré
que atira cuspo a um caranguejo mirrado
e pergunto-me porque não aprendeu a ter medo.

Há uma saudade tua entre os rochedos
que nem as ondas lavam da areia
e pergunto-me porque me não solto em liberdade.
Deixa que por baixo da minha loucura ondulada,
suave e lenta, no dedo epigrafado a folha branca
sue os carris de gesso
a inventar estações de nuvens perdidas
onde deposita bronzes de letras mortas.

que tu pules nos lábios do verão
e conjugues de formas sem tempo
só para encantares de sonambulismo
o ritmo com que me apresto às manhãs.

queria inventar um mundo novo
feito de cordas de baloiço e nariz de palhaço
só para entreter a monotonia do espaço
que me leva de volta ao som do infinito.

(9.08.09)
a vida é um rio do tamanho do tempo, correndo entre o respirar da mãe e o fôlego que antecede o vazio.

notas à margem