1.29.2011

viagens

Olhava-a com um objectiva 200
e via nos lábios, rotos de tão próximos
todos os sulcos que imagino percorrer
Num relance voltei a um grande angular
e vi que estávamos sozinhos
no frio, na estação, na espera
do intercidades
que haveria de solavancar
até ao fim do Tejo;
e então, descuidado,
continuei a sonhar
com um vermelho papoila
que sombreava cuidadosamente
com estes outros lábios
das palavras incompletas
sós
neste jogo de máquina fotográfica,
à espera do intercidades
e do fim do frio.

viagem

Deixei o banco onde lera o verso que carrego agora
e enquanto as casas correm à janela
(uma boina de soldado a corar numa varanda de azulejo,
viste?)
e o comboio castiga as vértebras
pergunto se a madeira gasta ouviu o meu segredo;
que guardam as coisas das nossas conversas?
- e como se diluem, para se libertarem
das confissões inquietas,
dos sonhos desfeitos antes do acto?
Demorei um tempo todo a apagar o riso
que só tu me semeias nos dias de nevoeiro;
as sombras não te levam adiante, que lhes
conheces os enganos (fingem-se luz
e ordenam raios de compromisso)
e as abafas
como quem liberta o saltimbanco
daquela caixa que havia no sótão...

1.24.2011

Dá-me um indício de crime
(como um ponto onde apoio o desconhecido)
e eu liberto-te o passado por inteiro

De janeiro até ao fim, de janeiro.

1.10.2011

quando comecei a
inventar palavras
jogava contra os livros
a juventude da ousadia

regresso...

uma casa oca espera o meu regresso das armas;
carrego os despojos com que reivindiquei a vida
e a eterna recordação da solidão acompanha
estes passos cansados. se ainda
me abrisses a porta, se
deixasses solto o trinco de então,
abraçaria as nuvens mais distantes
nos instantes que precedessem
o beijo da chegada...

(5/2009)

indo pela sombra

chegava na sombra,
onde escondia a tua voz.
e abraçava os novelos
de cabelo molhado

entre o pescoço marcado de beijos
e cinco dedos à espera da entrega

(Lx., 6/2010)