1.31.2010

espreitada

a lua deixa-se encher de brios e responde com luz alheia. agora que é noite e se aproveita do escuro com que se deixa espreitar.

1.06.2010

à tua espera

disseste que passavas mais logo. a recolher
o olhar que não consegui devolver-te. e
assim foste cega, e eu a ver-te apenas
os lábios e as mãos
por onde começaste a enfeitar-me o peito. a
tua língua não é português,
mas húmida carne
que agora
me fere a intimidade com paciência.
até que descubro, só tu vês um gesto
que tinha guardado - por perdido-
desde os anos do arco-íris. abraço-te
já a saber que o escuro é luminoso
e me vou perder
no corpo inteiro onde castigo o choro. deixo
perdido um dedo caído
que piamente te plastifica o seio
e nada mais roubo ao reverso da palavra,
já só és tu o som do mundo. mudo
num terno solfejo de pele.
1.

antes de nasceres eram
de pedra as tuas lágrimas,
o teu peito tinha pétalas e raízes
e os teus dedos prolongavam
os braços do rio.
então,
o teu coração
era um vulcão
que dava seiva ao tempo.
depois de nasceres
transitado em vida
voltarás a renovar um olhar
antes que as tuas lágrimas sejam pedra
e as raízes
e as pétalas
encham o teu peito
enquanto os braços do rio
são o prolongamento dos teus dedos.

(eternidade)

2.
Não sei se chora
aquele pastor de reflexos
agora que vejo a noite
chegar-se com a pressa dos ventos.

Recolhe as sobras de um dia de luz
cajado ao socorro do mar
entre a prata e o negro que a engole.

São nossas as areias do Índico
e a gasosa regressa à Matola,
que amanhã é domingo
e expulsarás cedo os demónios da noite.

O dia despede-se sem as cortesias do Norte
que quer vir depressa renovar a tenda
e as mulheres têm os olhos muito negros
debruados de muita espuma, muito branca.

(lembrança de Maputo)

1.04.2010

Pergunto-me

O som das gaivotas lembra o grito e o choro
e, olhando o azul onde enfeitam o espaço,
pergunto-me porque não aprenderam a rir.

Há um menino na borda da maré
que atira cuspo a um caranguejo mirrado
e pergunto-me porque não aprendeu a ter medo.

Há uma saudade tua entre os rochedos
que nem as ondas lavam da areia
e pergunto-me porque me não solto em liberdade.
Deixa que por baixo da minha loucura ondulada,
suave e lenta, no dedo epigrafado a folha branca
sue os carris de gesso
a inventar estações de nuvens perdidas
onde deposita bronzes de letras mortas.

que tu pules nos lábios do verão
e conjugues de formas sem tempo
só para encantares de sonambulismo
o ritmo com que me apresto às manhãs.

queria inventar um mundo novo
feito de cordas de baloiço e nariz de palhaço
só para entreter a monotonia do espaço
que me leva de volta ao som do infinito.

(9.08.09)
a vida é um rio do tamanho do tempo, correndo entre o respirar da mãe e o fôlego que antecede o vazio.

notas à margem