5.31.2008

esperança

a vontade tem sempre a força do instante. carregamos a ilusão no mesmo abraço. e, ainda bem, esperamos.

sonhos

nos idos daquele tempo esquecido sonhámos esperas, entre dúvidas retrógradas. era um passatempo maior que o tempo. valeu a pena.

Natal



Insónia

Invento uma insónia nova
para o corpo desabrigado.
Obrigo-me à prova
de alertar a cada trinta minutos.

Puxo o adereço que me aperta o pescoço
e, antes de sufocar, tresmalho
em relâmpagos de vida.

Na partida,
ergo-me e vagueio
quinze minutos
pelo corredor profundo,
antes de espetar a caneta no papel branco
e redigir mais um diálogo
de surdos.

Sei que elas não me compreendem.
Sonham, de quando em vez.
Se acordam,
cuidam-se prenhes de razão.

Ora, ora…
É tempo de esconder as persianas,
de encobrir as gelosias.

Tempo de inventar dúvidas.

Entre mim e eu, será um poema
a separação?
Ou um embuste?

A carga de uma perplexidade
ou um anjo de glória?

Haverá distâncias
na perplexidade que nos toca?

Ou só inventamos pertenças alheias?

O que somos:
Uma castidade de ânsias
ou uma devassidão de promessa pias?

Boa noite, cidade.
Entrego-me à cama sem
Absoluta esperança de dormir como justo.

Reconforto-me na tentativa.

Amanhã, deu lo queira,
O sol recompensará os audazes.
Saborearemos um, sempre diferente,
Brilho igual.

Boa noite, cidade.

e. u. m., Poemas Impublicáveis

luminosa

R m… (és) uma mistura indomável
entre a impossibilidade e o desejo.
Um impossível compromisso
entre a devassidão e a castidade.
O limite do termo nos termos
luminosos que consigamos inventar.
Deixa-te estar:
Pode ser que eu consiga soletrar
uma palavra nova.
Tão grande,
tão grande que te abarque.



ritmo

caminhamos ao longo da estrada, sujeitos ao ritmo das árvores e dos pássaros. todos voamos, cada qual na sua pressa.

dia

vinte e quatro horas é o tempo todo de te olhar. quando assim é traduzimos a vida por um dia pleno.

chapéu

o chapéu escondia o suor e a imagem. percorria os campos e falava com a verduras, e vinha sempre com as últimas novidades.




caminho

faço o caminho em direcções diversas. teimoso, vezes sem conta. o caminho obedece. só que se preserva, protegido.

intenso

as cores são sempre a luz que tu lhes dás. o negro e o claro obedecem à tua intensidade.

à espera

chamo só pelo acto de desatar a voz. assim treino o momento da chegada.

verão

saboreio as lembranças de um verão azul, salpicado de sal do mar. nas tardes baças de agora, é o bastante.

repetição

prendo-me a ideias afirmadas às centenas. tantas vezes, sem razão outra, só por isso.




minho

o verde concorre, vencedor. transparece respiração jovem.

alentejo

a cal do branco concorre com vivas cores na paisagem monótona. ao longe, outro monte salpica o horizonte de planura.

ladrilho

as nuvens mantêm os bailados. usam o céu como ladrilhos e deixam interpretações suspensas no ar.

surpresa

renasce tantas vezes a surpresa só de se olhar. as mesmas coisas têm dias diferentes.

5.25.2008

Receio

É verdade
Que me pergunto vezes a mais
Porque receio ouvir-te nos meus sonhos
Quando suo suores e solto
Ais
E da tua ausência vejo
Fantasmas medonhos
Será de gostar que tenho medo e me arrepio?
Será a tua voz mesmo suave que me enche de frio?
Anteontem fui para a cama mais cedo
Esperando que o sono viesse
E que se fosse o medo

Arriscar o receio de te pensar
E o mesmo de te perder
(eu sei que não vai dar,
que vou continuar a tremer)

Amanhã cedo o Sol talvez se finja de amigo
Teimando-me que qualquer ideia é um perigo
Não valendo de nada fugir ao pensamento
Seja de ti e da história que nós tínhamos guardada
Como se por um gesto, num escasso momento
O tempo do mundo fosse uma coisa de nada
E eu vou inventar a vida de um dia inteiro
Distraindo-me da tua imagem com coisas que nem sei
Dissimular que te esquecendo pareço porreiro
E que posso findar as coisas que comecei
Mas é tudo mentira e não sou um feiticeiro
Nem consigo explicar-me porque tanto te amei


anos

Um dia destes faço anos, se Deus queira
Ou todos os dias os faço – certa maneira.
Combino a vinte e um, a quinze ou a cinco
Depois faço, depois desfaço:
Sinto e não sinto.

Tanto faz, Mara, tanto faz: qualquer dia
se choras, teimosa, dou-te uma alegria
e nesse agrado de diluíres o tempo
tudo bem: dou-te um beijo em pensamento.

viagens

São verdes os olhos que vêem viagens
castanhos os que mais castos esperam:
que o maravilhoso mapa das miragens
são sonhos já sonhados que se cerram.

Perfume

Farejo o rasto do teu perfume subtil
Atrelado como um submisso dogue
Hipóteses são imensas, mais de mil
Mas esse pensa-me no que não pode

Bendita seja a mão que o misturou
Esse odor que me refaz lembrança
Este corpo de anos gasto esperou
Suspiro novo, aroma de esperança

Poderá ser ilusão tudo isso apenas
Como o são as vestes dos poemas
Mas de poder respirar o teu incenso
Deixo de sentir forças e nem penso.

5.24.2008


Blues fúnebres

(partindo directamente de um poema de W.H. Auden)

Parem todos os relógios e cortem o telefone
Entreguem um osso ao cão para que não sone
Silenciem os pianos e, em suave caminhar
Tragam p’ra fora o caixão e venham chorar.

Que os aviões o sobrevoem num gemido
Desenhando no céu a mensagem Falecido
O papo branco das rolas de crepes se traça
E os sinaleiros calçam luvas de desgraça

Ele era o Sul, o Leste, o Oeste e o meu Norte
A semana de trabalho e o Domingo de sorte
O meu meio-dia e a meia-noite, meu falar e cantar
Cuidava que o amor sempre durava, mas era a enganar

Não mais quero as estrelas: cada qual seja apagada
E que seja demolido o Sol e a Lua emalada
Esvaziem o oceano e o bosque por igual
Pois daqui em diante tudo virá por mal.


Coimbra B

Vogámos a Coimbra, cumprindo promessa pretérita de largar os miúdos no Portugal Deles, agora nomeado “dos pequenitos”. A empresa tardia permite-lhes, agora, que a liberdade de pronúncia coincida com a da vista. Riem de gozo ou a gozar; choram de rir, de saudade, ou de pena. A Dulcineia avançou a necessidade de complexos semelhantes clonarem a Expo, o Cultural de Belém, ou espelharem as Amoreiras. O Felisberto, meia hora depois de voar da taciturnidade, repetiu o seu refrão dos últimos dias: “Deus foi muito machista na distribuição do juízo!” Gasto o dia, quase por inteiro, avançámos a Coimbra B (uma estação pardieiro do século 20, primórdios…) onde ouvimos o sublime poema que repito: “… as carruagens da classe conforto circulam na cauda da composição”. Num enlevo, palavra a palavra. A composição, as carruagens a circular(em) e, exponencial máximo, a cauda, a cauda da composição. Cauda enorme que, todos juntos, ficámos sem saber onde tomava início.


culpa

a culpa pode negociar-se. foi a primeira hipótese de trabalho. certos que sempre assim fora.

troca

as ideias trocavam-se instintivamente. ora ela, ora eu. ao fim da noite já tínhamos a certeza de termos perdido toda a certeza sobre a propriedade.

moralidade

a moralidade tinha sido levada lá para casa. creio que fora ela quem reclamava essa obra. depois disso, tudo deixou de ser o que era.

filosofia

filosofia com chá tépido. a tarde escondia-se. os sorrisos envolviam o crepúsculo. bom era sempre assim ser.


sentidos

herdamos significados. com ou sem sentido, mantemos sentidos idênticos ou avançamos em liberdade.

texto

as palavras que o texto aceita reivindicam autenticidade. umas com a outras decidem fórmulas de entendimentos inesperados.

límpido

o teu olhar foi límpido, há anos que esqueci. a poeira dos dias fecha-nos as imagens claras.

preconceitos

escrevo palavras de cansaço. saco as ideias e elas teimam em aparecerem pegadas de preconceitos.


confundido

tinha perdido a esperança. confundira fantasmas antigos e sexo recente. nada, agora, acrescentaria serenidade à lembrança.

silêncio

sentado no chão de cimento, ouvia um silêncio fundo que me recordava a tua ausência. fui ficando.

objectos

regressado a casa, vi que todos os objectos ocupavam os lugares anteriores. não sei se, horas volvidas, seriam mesmo os mesmos, mas a posição mantinha-se.

5.23.2008

fúnebres

nos dia fúnebres juntava-se ao alvo um negro nervoso. as vestes ocultavam qualquer cor garrida, em respeito.

cora

estendiam as camisas brancas no granito cinzento. a corar de um sol cansado.

vinha

íamos à vinha antecipar bagos frescos. o olhar das gerações entendia, sonolento, a nossa ousadia.

pássaro

o pássaro gritava de arrependimento, perdido na galha que lhe castigou a temeridade.

no tanque

debaixo da água parada do tanque está a imagem que te recorda. traquinas, saltavas diabruras junta da macieira e lavavas a cara suada.

chora

chora a tua boca contra a minha. repartimos o desgosto numa operação consentida.

frio

tenho frio. tenho frio, apenas porque a lembrança é a de um dia de outono e de horas pequenas.

manhã

os teus olhos, logo na manhã, tinham um tom de noite longa. além dele, pingava deles uma paz conseguida, toda inteira.

nuvens

as nuvens fazem figuras novas por cima do azul celeste. comunicam alguma coisa que não entendo.

universo

vi o universo no blog do lado. parece que nascia. um miúdo "do tamanho do mundo".

5.22.2008



Estrelas

Vamos pintar as estrelas com azul de santo
para as distinguir no marasmo azul do céu;
Saber que saltitam na noite longa de breu.

Sim, vamos deixar algumas em branco
para mantermos um brilho mais claro
durante o sono que a noite torna ignaro
e assim continuarmos abertos ao espanto.

rugas

os traços idosos das rugas enfeitam o suave manto com que respiras.

e com essa nota até cimento pode virar pó. transforma saudade em verdade.

se só valesse uma nota escolheria o dó. a nota dó tem o som da saudade.

eternidade

é verdade que só ele ensinava o que é eternidade. e ficou-se a saber que era importante saber disso cá na terra.

madragoa

sempre me deu Graça aquele bairro, a Madragoa, a embirrar que todos se ergam cedo, a respirar o vento de Lisboa.

Sancho

Meu Capitão, é noite, e sonho alto
Ataca-me a lembrança do moinho.
Viro-me na enxerga em sobressalto
E não tenho das donzelas o carinho

Seria pedir muito a vós, ó Mestre
Que no sono, sem risco de apetite
Vossa bondade Dulcineia empreste
Só ao modo dum respeitoso convite

- Falas tonto e alto, Sancho, sem saberes
Esqueces os dislates que já eu te esqueci
Outro foras tu, bem mais valera morreres
Mas finjo-me surdo e que teu suor não vi

Sancho escondeu-se, parado, na amargura
De atentar assim contra a raiva do Capitão
E temeu que o sonho gritasse, a dada altura
O dulci nome que lhe atravessava o coração.


Amor morto

É hora amor, levanta a neblina
Pinto de rosa as rosas do jardim
E volto à tarde a ler a tua sina,
Que sei ter uma linha só de mim

Depois, mais adiante, o Sol irá tombar
Ambos sabemos o caminho inventado
Dividimos as frescas delícias do jantar
E vamos subir ao leito em braço dado

Não estou a sonhar, mas que mais faz
Deixa que viva por ti um dia absorto
Só no olhar, vou mostrar-te ser capaz
De refazer (em mim) o teu amor morto

Mãos roubadas

Dá-me de volta as mãos que me roubaste
e que trocaste, sem cautela, num repente
como quem esgalha duma cerejeira a haste
quando disseras serem tuas para sempre.


Se as querias e não cuidas, porque insistes
que um deus teu te dá esse direito
de roubares as mãos a quem fingistes
que davas as que tens dentro do peito.

Capitão Quixote

Capitão de guerras inteiras por vencer
Picador de esporas em brumas de mar
Deixa-me agora erguer, cantar e gritar
Que há glória ainda no intenso perder

Moinhos gigantes, fantasmas medonhos
Virgens e donzelas sempre a conquistar;
Confundias a vista no olhar dos sonhos,
E as vitórias perdidas no acto de sonhar

Caminhos longos das feras espadas
Suores e anseios, tudo em desalinho
E além do acto, das esperas amadas
Só nos alegrava continuar o caminho.

M.

Descia o Chiado
A passo acelerado,
Saudoso do Tejo

De repente, te vejo
Na nesga dum cotovelo

Compunhas o cabelo
De encontro à montra

E eis que – coisa tonta!
O manequim acordou
E mandou-te um beijo

Não acredito no que vejo
Mas foi! O povo parou

Olhámos-te um segundo:
M., és a melhor do mundo.



Com a tia, junto ao rio

O rio descia (não eu) como quem ri
E só o acompanhava aos tropeços
Na giesta maior escondia-me de ti,
Cocavas-me dava outros arremessos

Era a tarde das merendas no S. Pedro
Pão de centeio, queijo e marmelada
Depois de esbracejar água, sem medo
A sério, eu nem tinha medo de nada

Contavas então a história da princesa
Moura que enfeitiçara na Granjinha
O príncipe, e eu esquecia sobremesa
E corria novamente, encosta acima

Chegado a casa o pai pedia conta
De uma tarde inteira a fazer nada
E eu deixava os lábios em ponta
E tu fingias-te deveras preocupada

Mas claro que aprendera a aritmética
De contar os passos até saltar ao rio
E guardar a tua ideia tão profética
De aprender a ser um grande tio.


Setembro

Em Setembro na altura das vindimas ias
À tarde recolher-te à sombra da ramada
Olhando céu, os bichos, as cestas vazias
Enquanto o bulício mexia a brisa parada

Enchias os olhos da labuta saudosa
Com que recordavas o teu ido tempo
Vendo cada gesto na forma vagarosa
Que confunde saudade e movimento

Se um catraio te reclamava uma atenção
De te ausentares da observação do outro
Arranjavas-lhe gesto de emprestar a mão
Sem que da paisagem vacilasses o gosto

E ganhavas a tarde no tempo perdido
Despreocupada com qualquer desafio
Sem pensares no teu netinho fugido
Que deveria andar a saltitar no rio

Alheio aos deveres de fingir-se capataz
A cuidar dos mostos e do vinho fino
Perdido nalgum verso que não era capaz
De prender ao gosto de continuar menino

E assim o ensinavas sem nada lhe dizer
Que o bom da vida é sentir-se a idade
Interessa é brincar, correr, crescer e ver
Que cada poema tem a sua liberdade.

Prateada

A hora deixa na noite, de arrepios
A vista de meu cansaço enevoada
Procuro no vazio dos lugares vazios
A dela, minha lembrança esvaziada.

Salpico a memória com a luz de restos
Aflijo-me de não sentir um só recordo
Invento desculpas em jeito de protestos
Como a balir, e sabendo que não mordo

Afinal o esforço não me valeria de nada
Sempre assim é a quem por pouco sofre
A mulher esconde cor em forma prateada
E anda aí a incomodar noutro (belo) blog.

Queria

Queria sair
Do mundo que entijola;
Queria fugir
Desta caquéctica gaiola
Onde se escondem sabores
Gastos de esperas ocas
Gozados na ilusão d’amores
Fingidos em entregas poucas

Bom-tom

Escoa-se entre os pequenos dedos
da memória a centelha de fogo brando
que dissipa angústias e outros medos
que sem te lembrar, de vez em quando

guardo para mim como certo castigo
de te não procurar, apenas pelo perigo
de aceitar que não é de bom-tom o risco
e vale mais parar. Então eu desisto.


5.19.2008

mundo

o mundo é o que é. é, mesmo quando se vê por inteiro da varanda do mar e se acrescenta sonho à paisagem perdida.

maioria

entre uns e outros, chegava a maioria. carregava as agruras da véspera, com o som das mulheres alapado na cera dos ouvidos. com o silêncio dos homens, no desespero de uma repetição. logo à noite.

estação

chegavam. enquanto uns traziam toda a semana de melancolia, outros, na outra ponta, galvanizavam um dia de céu aberto e nem as suaves mochilas lhes pesavam.

domingo ido

findara um pardacento dia. dia de domingo. como se, sem nada pingar, chovesse o tempo todo.

amor livre

que liberdade de acção pode restar a um amor... é verdade que até uma pergunta, se assim feita, excede a razão.

5.18.2008



Mara

De que vale, Mara, o azul cinzento que te cobre os olhos, se não vês?
Passo ao alcance de um trejeito e confundes-me com o resto do mundo, Tanto dá…
E nem a súplica que te deixo alcança o teu perdão; nem o sorriso que desenho atinge o teu reparo. Nem nada nem ninguém me consente ousar uma espera; um ténue enlevo que fosse.
Desde há dias que não te sonho, mesmo nas noites geladas em que me recolho cedo. Levanto-me a meio da aurora sem te lembrar. E fico triste.
Ainda há meses acordava contigo numa memória de pétalas e cheiros.
Sabes que o teu aroma tem o mesmo som do olhar que me escondes?
Sabes a que cheiram os teus lábios, a que sabem os teus olhos?
O azul, se é cinzento, sabe-me igual à cor da chuva, quando cai triste em folhas de Outubro. Se o Sol te rasga, Mara, já os olhos me cheiram ao redondo dos malmequeres, num meio-dia de Maio.
O que me dói – mais de manhã, quando a falta de lembrança me não deixa esquecer-te – é não poder cantar-te o que o silêncio me revela, entoar-te um hino com a fé de um surdo, ser-te Mozart sem pintar uma nota.


desentendimento

chamava ao longo do dia e o nome perdia-se nas diabruras do vento. quando a luz se perdeu ela, ela deu sinal, mas o cansaço já te tolhia o entendimento.


só no escuro

Acalenta-me a esperança fugidia
De te rever numa curva apertada
Àquela hora onde se perde o dia,
Onde a luz se mistura com o nada

Sei assim que os contornos não são teus
A mistura do que recordo e do que sonho
Esse que perde a noite nos fogos só meus
E deixa estrelas no escuro onde me ponho

Se vieres de luz, então tenho receio
De deslumbrar ao facho que me dás
De ficar preso na corrente do enleio
Que obriga o forte julgar-se incapaz

Inventando

Deixa inventar-te uma métrica nova
que barafuste dos códigos o saber
para que assim, pondo-me à prova
consiga inteirar-te o meu sofrer

em ditongos e sílabas me defino
e nas palavras, soltas aos pedaços,
as que desfaço em cada desatino
e refaço, de novo, nos abraços.

Porque falar-te vero não me dá
o jeito que cuidava e não o tenho.
Inventar outro modo? – eu sei cá…
insisto de a mais carecer engenho.


flor

vi uma flor cujo nome nunca saberei. era linda, mas recolhia-se, risonha de humildade, atrás de um verde arbusto que a apaziguavam.

palavras

descanso os lábios entre as palavras gastas, já corrompidas da poeira de gerações. às vezes recordo umas antigas que se foram poupando, revoltadas dos excessos.


P D

Delgada Ponta que me dá saudade
Imagem fugidia, a par da idade
Veria essa luz na inteira noite
Sem perder este olhar d’assombro
(o mar revolto, a água, o monte)
Se pudesse sonhar-te só metade
E dormiria aconchegado no teu ombro.