8.27.2009

Vidas....

I
e a verdade caiu alí por inteiro. inopinada.
desesperada. como um bátega.
distrairam-se dos relógios
a confundir o sono da tarde
e voltaram a olhar os relógios.
cada qual.
no passeio contrário apressou-me
um homem que levava uma encomenta
a embriagarem-lhe as pernas
as que subiam escadas
há oitenta anos.
olhou-os sem admiração
e a encomenda
vacilou dois percalços
entre a montra de langerie
e o sapateiro gordo
sonolento
a divagar contra umas gáspeas.
uma criança assobiou
um trinado pimba.
e os homens acabaram por dispersar
sem um aceno de adeus.

II
na ocasião
cada qual podia dizer o que entendesse
e aos mais castos
era permitido ficarem absortos
sem contribuírem para os desacertos
com que cada outro
dialogava o vento inesperado
o sol dos costumes
e a maria do fundo de vila.
que apostavam grávida.
que garantiam acertar não saber de quem.

III
era o tempo antigo.
a desculpa que os permitia
os arreigados hábitos
o desdém de alterar.
gastavam os caminhos
na teimosia da insistência.
e até as palavras de aceno
eram o silêncio do falso toque
que sugestionava
um soluço do chapéu.

Nocturno

Gostava de dizer-te, madrugada
ao nascer do ouvido, se consente
que sou da noite, erva decepada
e só assim me tomo por valente

Não acredito no Sol, tão inebriado
que ofusca solidão a todo o tempo
prefiro é um gesto gasto e parado
fico melhor no Novembro cinzento

Gosto de andar no escuro, errante
e se brilho aí houver que seja eu
a sonhar que cavalgo o rucinante
e se o Sol quiser, venha ser meu.

a revolta das coisas

sou um relógio.
daqueles de cuco preto
e um rancho bávaro
a guinchar as horas.
há um menino
de calções repuxados pelos guindastes dos suspensórios
que se esconde da mãe
e me volteia o pêndulo
até à exaustão dos bávaros.
o cuco já não pode com ele
e
qualquer dia
- está combinado -
vamos estatelar-nos naquele cabelo loiro de tigela.
a mãe dirá que é acidente
o garoto vai amargar três pensos
e redondos de mercúrio.
o deus dos relógios, o dos cucos, o dos ranchos,
tal como o deles,
perdoarão esta legítima defesa.

regressos

No instante perdido
entre o desacerto e a vontade de voltar a ver
quedei. encontrei no teu horizonte
misturas de insatisfação antiga
(de tanto desejo por cumprir)
e de diferentes alegrias de crença
(de tantas vontades começadas)
e sempre o singelo brilho
que confunde o sentimento íntimo.

Deixei de te ver
quando o horizonte e o mar
desenharam
uma amálgama de cores
e a confusão da vista
se refez na da respiração compassada
com que
deixava o tempo partir
em fim de tarde.
pouco esperançado
(mas ansioso)
do teu
- eventual -
regresso
em mistura de escuro
brilhando como as estrelas.

8.26.2009

à espera das flores

deitei-me em cima do silêncio
à espera do teu grito.
a cidade desocupa-se dos meus tormentos.
o relógio diz oito e dezoito
e eu via uma gaivota
a recolher as preces.
é noite, ainda:
enquanto o sol engole as ruas
reinvento o tempo
em lágrimas repetidas.
como se fosse sempre uma primeira vez
levanto-me trôpego
e visto à pressa a camisa de desânimos
e calço este poema triste
e a gravata - como outrora - melancólica.
mais logo
à noite
trarei flores de cheiro leve e
mesmo que breve
repito a tua espera.

8.13.2009

milimetrica mente

milimetricamente
desenho os teus dedos com a minha mão
rezo aos medos
e deito-me a imaginar a cor do adeus;
depois (sem qualquer razão)
vejo que já não são os teus

e espero que a manhã venha inquieta,
que vista papoilas onde deixei as rosas
e que todas as letras das prosas
se desfaçam no poema que esqueci
bem diferente de ti
eu penso ainda amar o esquecimento

corto então as mãos do meu desenho
dedo a dedo, medo a medo
sem saber se são as tuas ou as minhas
não me amanho,
estou farto de adivinhas,
e as palavras que misturo neste verso
são todas falsas sem o teu regresso

resta que a cama sonhe em meu lugar
um terraço de sereias cor da sorte;
junto ao mar
desfaço sempre a meias
meia morte

e fico mais à espera, agora que a noite se revolte
e não aceite palavras que não murchem

não quero nada maior que a memória

(13.08.2009)

8.12.2009

coisas que são próprias da lua

e a lua, tímida e incapaz de mentir mais o seu estado decrescente, temendo que fosse pouca a luz que queria dar, pediu à luz dos homens que o rio visse a ponte em tons de azul e que a água, escondida na noite, também viesse à festa, iluminando-se em salpicos claros, enquanto as crianças, do outro lado que agora nem se vê, passeavam balões coloridos de arco-íris.

8.03.2009

ele veio para tirar, mas com aquele tamanho há sempre o risco de
ser o apanhado (1000 Kms de Portimão, 1/2 Agosto de 2009)