4.09.2012

até lá -----------------

O coração gorgulha-me um segredo
e a medo o calo, até ao sempre,
de repente, entra pelas veias um assombro,
eu tombo, e espero o teu acudir;
volto a ouvir um som que reza
e, depressa, recomponho a esperança
mas a lembrança pareceu puro engano;
insano, volto ao reino triste do dever:
é a valer que ganha sempre a perdição,
o coração mais não é que um gesto de mentir
e, a partir, esqueço as promessas que te fiz:
diz, que agora nada conta, já;
até lá.

(28.01.2011)

9.08.2011

dias.

leve, levemente, cada vez mais pequeninos.

8.31.2011

"a cegueira é andar por uma terra
que só eu conheço"
podendo enlear-me nos ramos
dos teus abraços, os que
repiso na memória. o teu rosto
continua a ser o rio
onde banho as mãos e as saudades,
onde refresco da canícula
que tua ausência deserta. barro
é um ente solidário
quando pergunto o teu nome, e
se mais não pode,
deixa que reformule os teus lábios mansos
e que todo o resto do teu corpo
acompanhe os contornos do mundo.

2009, a partir de um verso de Rui Nunes
(in, que sinos dobram por aqueles que morrem como gado)

6.28.2011

ideias

tinha um pensamento gasto. esfiapado até ao lenho das ideias antigas. e não podia usar palavras.

segredos

dizia-lhe que os ouvidos não chegam para filtrar as palavras repetidas. dão valores iguais que acabam em notas medíocres.

noite de verão

o calor vai e vem, tresmalhando entre um vento que se augura sentencioso.

6.22.2011

aniversário

A primeira vez que escrevi o nome
foi com letras de água
no regato onde bebia o tanque
da quinta do avô.

E já decorara letras de escola
quando o renovei
na areia das marés vazas.

Agora gravo-o por dentro
dos muros de granito
onde me cerco nos dias saudosos.

E o que perdura são os gestos
de areia e água, que a memória
é o cimento que enrama as pétalas nas lágrimas.

It's so hard recycle a joyous childhood.

Em dias como este, que acordavam o verão
tão cedo como a luz
subíamos à Serra, a levantar, passo a passo,
a película de neblina
como um cortinado japonês
(e houvesse smartphones, tal qual
como o ecran que se desvenda, o
mesmo dedo que fazia de tinta, a
percorrer a água).

Não há acrescentos que acrescentem:
era só uma lembrança,
como uma carta.

(21.06.2011)

3.24.2011

Desligo do teu rosto as mãos e são de neve
alvas de pecado, corpo que não serve
salvo no dever de te querer infinita
entre o tempo curto duma sina dita;

Regresso ao teu olhar e é só verão
aí onde queimaste a mesma mão
que desenhou um falso nome na tua.
Neve não é brancura nem ternura
apenas o bater dum coração.

2.11.2011

am, or not

é uma frase feita,
sempre por gastar. um
discurso intenso
no palavreado imenso
de uma palavra só. só
o amor,
como destino ou castigo.
essa infinita liberdade
que nos prende.

(19.05.2009)

2.10.2011

porquê?

diluiram-se os ombros no peso dos dias e agora
caminho em busca do horizonte, sem que veja
mais que passos e adereços de poeira, onde
os homens depositam cansaços de tardes pardas;
nesta condição de escaravelho, lembro-me de kafka
e decido não lavrar mais palavras (como o escrivão)
deixar-me sonolentar o dia todo
- sem esperas, sem propósitos
enquanto o mundo se discute,
curvado, tal como eu,
mas pensando saber porquê

1.29.2011

viagens

Olhava-a com um objectiva 200
e via nos lábios, rotos de tão próximos
todos os sulcos que imagino percorrer
Num relance voltei a um grande angular
e vi que estávamos sozinhos
no frio, na estação, na espera
do intercidades
que haveria de solavancar
até ao fim do Tejo;
e então, descuidado,
continuei a sonhar
com um vermelho papoila
que sombreava cuidadosamente
com estes outros lábios
das palavras incompletas
sós
neste jogo de máquina fotográfica,
à espera do intercidades
e do fim do frio.

viagem

Deixei o banco onde lera o verso que carrego agora
e enquanto as casas correm à janela
(uma boina de soldado a corar numa varanda de azulejo,
viste?)
e o comboio castiga as vértebras
pergunto se a madeira gasta ouviu o meu segredo;
que guardam as coisas das nossas conversas?
- e como se diluem, para se libertarem
das confissões inquietas,
dos sonhos desfeitos antes do acto?
Demorei um tempo todo a apagar o riso
que só tu me semeias nos dias de nevoeiro;
as sombras não te levam adiante, que lhes
conheces os enganos (fingem-se luz
e ordenam raios de compromisso)
e as abafas
como quem liberta o saltimbanco
daquela caixa que havia no sótão...

1.24.2011

Dá-me um indício de crime
(como um ponto onde apoio o desconhecido)
e eu liberto-te o passado por inteiro

De janeiro até ao fim, de janeiro.

1.10.2011

quando comecei a
inventar palavras
jogava contra os livros
a juventude da ousadia

regresso...

uma casa oca espera o meu regresso das armas;
carrego os despojos com que reivindiquei a vida
e a eterna recordação da solidão acompanha
estes passos cansados. se ainda
me abrisses a porta, se
deixasses solto o trinco de então,
abraçaria as nuvens mais distantes
nos instantes que precedessem
o beijo da chegada...

(5/2009)

indo pela sombra

chegava na sombra,
onde escondia a tua voz.
e abraçava os novelos
de cabelo molhado

entre o pescoço marcado de beijos
e cinco dedos à espera da entrega

(Lx., 6/2010)

12.25.2010

natal

o natal chegou aí. pé ante pé. olhos de menino.

cheiros

cheira a rosmaninho. ou a confeitos. talvez a um sabonete novo. ou só à saudade que traz esse cheiro todo.

Tempestade

o vento vem desgrenhado
em gráficos de tempestade
as ondas galgam em puro-sangue
os obstáculos da praia, rindo-se
em espuma a desdentar.
sento-me à beira, e deixo-me ficar:
um olhar parado
sem idade
estanque
indo-se
estatelar
no horizonte negro,
e nem tenho medo.
oiço, do fundo,
o som de revolta das sereias
e o olhar
profundo
divide a meias
o que resta do frio.
o desfio
é outro, mais humano,
d'aguentar a dor do lenho.
sem pena
largo o poema
e atiro-me ao mar.
há sempre outro modo de cantar
o infinito.
grito
que estou liberto,
mas o mais certo
é fugir.
hei de vir
um dia no fim do tempo
e engolir o vento.

Natal/2010

12.16.2010

epitáfio a um marinheiro desconhecido

as pétalas choraram o resto do teu corpo
que o mar chamou, evaporado ao céu
as árvores do outono deixam cobreados os rios
distribuindo lágrimas desafiando a chuva
que se comprime em desespero nas nuvens

quando chegares ao céu, daqui a nada
os leitos vão regressar ao mar
as pétalas vão refazer as rosas
e os bibes voltam a vestir o sorriso dos miúdos

no entretanto há só o cantar da tempestade
dois mendigos em greve, três olhares perdidos
e o mundo estacado no tempo morto
domingo de luz, norte e leste, oeste
e o sul que sempre chama os desejados

26.10.2010

Caminhada

A noite nascia com os mesmos direitos
com que o dia se afirma a toda a hora
e eles seguiam, percorrendo o caminho
onde o escuro brinca aos fantasmas
gozando diabruras com as estrelas.
Cada passo deixava o som das pedras
como se arrancassem pétalas de rosa
em rogo de não picarem espinhos
e a batida dos corações era só
o ritmo com que sonhavam a chegada.
Foi um caminho que ainda hoje é,
vontade d'andar sem destino ou mote
energia gasta no gosto da vontade
única potência com que o homem
troca o risco de vacilar algures
pelo encanto da firmeza, alguma.

19.10.2010

dias antigos

joguei contigo aos beijos d'universo
- os que se entregam até à eternidade
e depois deixam-se cair ao som
dos prediletos
(o que só esquecemos se nos lembrarmos da memória)

na escola aprendi
que anos luz eram
um qualquer desgosto
de apartar as horas do recreio;
e que o deus das nuvens
sorria em gotas de chuva
sempre que o calor das searas
pingava no rosto dos meninos

heide crescer um dia, se for
ainda a tempo de me lembrar
dos dias que nunca passam

(18.10.2010)

11.16.2010

verso riscado


antes deste estava escrito outro verso
onde lacrara as memórias de menino
(os restos dum hino, um gasto terço
um coração sem preço...) - que desatino

risquei-o como quem sopra o pó
na crença d'agora ser já forte
como se fora possível ser mundo e não só
como se a idade aceitasse a sorte

e a vida - afinal - é apenas a ilusão
de ter os pés na terra, e o coração
quimera que finge sonhar um outro dia
a rimar o amar com àlegria

a última...

a última palavra é sempre um gesto
de silêncio roído até à partida
como um desejo que se não faz objecto
ou uma mãe que não consegue a despedida

é o sufoco do infinito
que nos imobiliza no grama
dos grãos d'areia onde diluímos as mãos.

12112010

10.18.2010

caminho de busca

onde as esferas aparam os astros
e estes encantam as bibliotecas
lá onde os sonhos são cristais de luz
e o tempo apenas o gozo dos momentos;
ainda hei de percorrer esses caminhos
feitos de negro e preto, aí onde
os pés deixam relâmpagos n'areia do céu
e o sorriso dos dentes parece satélites
dos corpos maiores, celestes ou não,
percorrendo em danças de espuma
todo o mar astral das profundezas
até chegar aos teus cabelos, como
os miúdos brincam em tarefas de sísifo
e alcançam sempre o sol, aí
no amarelo das searas ondulantes.

(18.10.2010)

8.18.2010

repouso dos perigos e das obras
verão, está bem de ver, que o verão seca as ideias e só se espera pelo correr das tardes. nunca por qualquer rasgo, sequer luminoso como o sol que se arma em astro.

8.17.2010




Vinham magotes de bronzes
a subir os degraus de um fim de praia.
A hora era só a de esperar a manhã seguinte
até que o agosto morra sufocado
nas promessas do ano seguinte.

8.02.2010




7.30.2010

hino de verão

deixa-me explicar-te que o hino
são folhas de plátano no vento
sinos de silêncio pel' aldeias
e uma velha de rugas a ajeitar o lenço
debaixo da rodilha onde repousa
o cântaro de água fresca.

7.19.2010

e agora, que agonizo os dias
na tua saudade
só mesmo por ela
que me lembra o esquecimento.
penhoro-me a promessas
do teu regresso,
invento modos de ter ver
nas formas da escuridão
e angustio os segundos
com que o tempo
se fractura e dilacera
entre os momentos.
(19.07.2010)
e agora, que o sonho se deslumbra
na terra fria, lá onde os pássaros
repousam gravilhas de pasmo
e eu respondo que entendo o mundo
entre o perplexo dum olhar d'areia
e o mar azul, azul de azul e cor
onde repouso os ombros de cansaço
futuro. onde, cada vez onde
intrigo o espaço que
amanhã traz bagatelas de dúvida
e respiração de sossego: canto
outra vez as promessas antigas
Julho e Agosto, mar e lábios
ternuras de provir.
(18.07.2010)

7.01.2010

PAI NOSSO

luz nossa, que roubas da noite
partindo do céu que resplandesces
nome de palavra muda de tempo
temores e vagas onde o escuro cresce
vontade seja a nossa por ser vossa
reino onde o passado não chegou
mão de seara racham o pão
e nas ofensas perdão d'este regresso
irmãos na dádiva dum olhar puro
caídos para mais alto erguer
no futuro agora e antes

(3.06.2010)
AINDA CHEIRAS A NOITE
NA MANHÃ TÃO CLARA
E NAS RANHURAS DO TEU CABELO
A LUZ ENVERGONHA-SE DAS SOMBRAS

(8.06.2010)

6.11.2010

Ao som de vuvuzelas tontas, joga-se. Afinal, tudo se
pode jogar, salvo o que for expressamente proibido.

6.05.2010

opções

entre as estrelas que pintavam o céu de luz escolhia uma, sempre ao acaso. a que lhe parecia mais sonolenta, embriagada de tempo e infinito. queria ser assim, lento como a espera.

crescimento

há trinta anos que lhe contavam apenas as boas memórias, as das serras pintadas de verde, dos céus azuis, das faces de talco onde as mãos das crianças simulam os beijos. e agora, sempre que a noite chegava na solidão dos desaparecidos, duvidava da idade e entretinha-se a partir espelhos.

dúvida

viveu o dia inteiro cheio de certezas e afirmou que sim às nuvens, aos pássaros e aos homens que lhe cruzaram os caminhos. quando regressou o escuro, a fadiga pesava-lhe pela alma fora e o corpo estava derreado de peso. temeu deitar-se, sem o risco de a manhã não vir depressa.

pássaros

chegam aos bandos. vêm curtir uma tarde de nuvens, onde o sol brinca às escondidas dos garotos e a luz saltita nos muros dos quintais. são pássaros, que os humanos estão escondidos entre as marmitas de tarte de cereja e um ecrã gigante de televisão.

5.31.2010

devagar se canta nas manhãs turvas

não cantes tão depressa
os acórdes onde o vento
nos enrola as tardes,
que a mansidão é ingrata
mas perene
e só as nuvens se revoltam
com as boleias do sopro

mudam a forma,
riem e choram...
e tu querias
que os dias
(cacófonias...)
tivessem um som quebrado
de silêncios nunca satisfeitos

a melancolia é tão risonha
como a aurora das manhãs turvas,
aurora é,
azul, cinzenta
como que seja
afirma-se no lia longo
como premonição.

(28.052010)

Q(ei!)ma 2000 e 10